Foi ontem apresentado no Museu da Cidade de Lisboa a «Reconstituição 3D» da capital portuguesa, tal como (se pensa que) era antes do terramoto de 1755. Nesta semana, e previamente, já haviam sido publicados artigos sobre este projecto, nomeadamente no Diário de Notícias e no Público. Porém, as pessoas que costumam interessar-se por este tema, ao verem as imagens e ao lerem as declarações disponibilizadas, poderão perguntar-se: «Eu já não vi, e li, algo muito, mas mesmo muito parecido com isto?» E a resposta é… sim: no projecto Lisboa Pré-Terramoto de 1755, iniciado por mim em 2004 com a recriação virtual da Ópera do Tejo.
Que aconteceu, então? Coincidência? «Copianço»? Colectivização? Será melhor transcrever alguns excertos do comunicado (assinado por Alexandra Gago da Câmara, Helena Murteira e Paulo Simões Rodrigues) que o Centro de História da Arte e Investigação Artística da Universidade de Évora, a que o nosso projecto está associado, emitiu sobre este assunto: «(…) Porque consideramos que a pesquisa científica deve ser um processo de partilha e de franca comunicação entre investigadores, contactámos, no início de 2010, a Câmara Municipal de Lisboa, através da respectiva Vereação da Cultura, propondo uma parceria com o projecto de animação 3D em desenvolvimento pelo Museu da Cidade. Dada a tecnologia de ponta que estamos a utilizar, que permite a interacção dos utilizadores num espaço comum de fácil construção, a actualização permanente, em tempo real, do objecto de estudo e a imersão do visitante no ambiente virtual, o que não está ao alcance das tecnologias de animação 3D como a que está a ser utilizada pelo Museu da Cidade, a Vereação da Cultura mostrou um efectivo interesse numa eventual parceria, ficando de estudar mais detalhadamente o assunto. (…) O workshop internacional «Virtual Historic Cities: Reinventing Urban Research», organizado pelo CHAIA a 21 de Maio do corrente ano em Lisboa, trouxe pela primeira vez a Portugal Bernard Frischer, Director do Virtual World Heritage Laboratory, da Universidade da Virgínia, e coordenador do projecto de recriação virtual da Roma Clássica «Rome Reborn». Neste workshop participou ainda Richard Beacham, director do King’s Visualisation Lab/King’s College London, especialista na aplicação das tecnologias de mundos virtuais ao estudo do património cultural. (…) Apresentámos Bernard Frischer aos representantes da CML (…) presentes no workshop, Francisco Motta Veiga e Ana Cristina Leite, e acompanhámos o referido investigador à visita que efectuou ao Museu da Cidade, no qual teve a oportunidade de conhecer o projecto aí em desenvolvimento. Ainda a aguardar uma resposta da CML, foi com surpresa e profundo desagrado que tomámos conhecimento da entrevista a Bernard Frischer que consta da edição de Novembro da Agenda Cultural da CML. Utilizando manifestamente Bernard Frischer para a validação científica do respectivo projecto 3D, a CML e o Museu da Cidade de Lisboa não mencionam uma única vez o CHAIA e o seu projecto (…), através dos quais tiveram a oportunidade de conhecer este investigador americano. Todas as notícias posteriores sobre o lançamento do projecto no Museu da Cidade, a 25 de Novembro, omitem este facto, utilizando assim de forma abusiva o trabalho científico desenvolvido pela equipa do CHAIA. A ausência de uma resposta à nossa proposta de parceria vem agravar este facto.»
O meu amigo e colega Luís Richheimer de Sequeira, num exaustivo, excelente e elucidativo artigo no seu blog, mais contribui para o esclarecimento da questão: «(…) Em tempo recorde, o Museu da Cidade obteve uns 200 mil euros para contratarem uma empresa para, em seis meses, fazer um projecto de raiz precisamente nos mesmos moldes que os do CHAIA. É notável o trabalho astronómico que foi desenvolvido em tão pouco tempo; só mostra que, quando há vontade e dinheiro, tudo se consegue. O problema da investigação científica é que, claro, toda a informação é publicada gratuitamente, e por isso foi relativamente fácil inspirarem-se em tudo o que tinha sido publicado pelo CHAIA e replicar o projecto usando outra tecnologia. Até aqui tudo bem, faz-se isso em todo o lado no meio científico; é normal os investigadores usarem o trabalho uns dos outros. O único problema é que “perderiam face” se dissessem como é que o projecto deles tinha nascido, pelo que resolveram ignorar a existência do projecto do CHAIA, mesmo que por exemplo nas entrevistas dadas tenham feito copy & paste de textos publicados… (…) O que está apenas em questão é a desonestidade intelectual. Não custava nada ao Museu da Cidade referir, por exemplo, que tinham alterado o âmbito do seu próprio projecto na sequência do workshop para o qual foram convidados e em que aprenderam duas coisas importantes: de que em arqueologia virtual já não se modelam edifícios isolados do contexto, mas integrados num espaço; e de que a arqueologia virtual não serve apenas para fazer vídeos em 3D “bonitinhos”, mas que pode ser utilizada para a navegação imersiva dos visitantes que escolhem os seus próprios percursos dentro do espaço recriado. Regozijo-me por saber que o workshop valeu a pena para trazer esta nova perspectiva ao projecto do Museu da Cidade; é bom saber que há flexibilidade para aprender com terceiros a forma correcta de fazer as coisas, e dentro do meio académico, essa mudança de atitude é louvável e muito bem recebida. Só é lamentável depois que não se tenha dado crédito a quem lhes mostrou o que fazer e como. (…)»
António Costa é, obviamente, o primeiro, ou principal, (ir)responsável por esta situação. E ao ter estado presente na apresentação do projecto no Museu como que deu a «ratificação final» ao comportamento dos seus subordinados, rematado pelo descaramento inaudito de Ana Cristina Leite que declarou «desconhecer a controvérsia» connosco. No entanto, é certo que os exemplos vêm de cima: o arauto da «ética republicana», na última campanha para as eleições autárquicas, prometeu aumentos salariais a todos os trabalhadores da Câmara Municipal de Lisboa; e, mais recentemente, permitiu que não um, mas dois assessores fossem (re)admitidos em circunstâncias duvidosas.
Entretanto, e pela nossa parte, «a luta continua!» (Também no Esquinas.)